A propaganda não vence guerras

Estamos em guerra. Ouvimos nós, comuns cidadãos, 
de forma tantas vezes repetida nos noticiários. Guerra, esta, de combate a uma Pandemia que o ano passado por esta altura começou a entrar na Europa estendendo-se, posteriormente, em tempo record a todo o Mundo, alterando completamente as nossas vidas. Estados de Emergência sucessivamente renovados, teletrabalho, lay-off, confinamento, etc… foram novos conceitos que rapidamente entraram nas nossas vidas.
Escrevo este texto com alguma revolta e, acima de tudo, espírito de missão e cidadania, para relatar uma (mais uma) situação, que ocorreu comigo no exercício da minha profissão, enquanto advogado, em que uma constituinte minha fez um agendamento para ser atendida perante uma Repartição Da Segurança Social, para resolver um assunto que se encontra pendente (nem vou falar no facto de os atendimentos perante organismos públicos estarem a demorar várias semanas e por vezes mesmo meses para serem efectuados), e que solicitou a minha presença no referido atendimento para ajuda-la e auxilia-la, através do meu saber técnico enquanto jurista e advogado. Uma vez no local, fiquei surpreso com o facto de não me ser permitida a entrada na dita Repartição, segundo os seus responsáveis e pelo que me foi dito, apenas poderia entrar uma pessoa, portanto ou entraria eu, ou entraria a minha constituinte. Nunca os dois. Explicaram a medida com o estado que vivemos em que não pode haver aglomerados de pessoas em espaços reduzidos, e que eu deveria ser conhecedor da situação, à laia de me considerarem insolente. Expliquei que existiam direitos Constitucionalmente garantidos, como é o direito de qualquer cidadão se fazer acompanhar por advogado perante qualquer autoridade se assim o entender, direito este que não se encontra suspenso nem pode ser afectado, nem poderia ser ultrapassado por qualquer ordem interna ou directiva da Segurança Social. Em vão. Para esta repartição ter um funcionário, a beneficiária e o seu advogado (3 pessoas) é um aglomerado perigoso que tem de ser evitado. Fiquei à porta, e nem a oportunidade de escrever no livro de reclamações me foi dada, ainda que com a Policia no local, tendo me sido sugerido eu escrevesse a minha reclamação no Livro Amarelo Electrónico quando chegasse a casa ou ao meu escritório. Obviamente que segui o procedimento que tenho seguido neste tipo de situações, sendo que desde o inicio da Pandemia, já não é a primeira vez que me deparo com uma situação destas...

Não posso deixar de sentir revolta e indignação perante toda esta situação, numa altura em que assistimos aos mais diversos ajuntamentos e aglomerados levados a cabo por parte dos nossos responsáveis políticos e por parte das nossas autoridades, em nome única e exclusivamente de uma finalidade: a propaganda.

Ainda esta semana, na Amadora, de onde sou natural, onde resido e exerço a minha actividade, uma sessão de toma da vacina, juntou entre membros do Governo, membros da Câmara Municipal da Amadora e respectivos staffs, jornalistas e fotógrafos, bem mais do que 3 pessoas como a imagem demonstra, num reduzido espaço onde se administravam vacinas. Num acto em que bastava estar o profissional de saúde que iria administrar a vacina e quem a iria receber, sendo que todos os outros presentes em nada eram necessários ao acto, tendo como única função a habitual propaganda à qual já todos estamos habituados.




Ao invés, aquando da rotura da rede de oxigénio no Hospital que serve o nosso Concelho, o Dr. Fernando Fonseca, há 2 semanas, e quando era preciso uma voz de comando para acalmar e explicar o que se estava a passar, ou exigir ao Ministério da Saúde explicações, ninguém veio dar a cara…

Repare-se que aqui na Amadora esta não é nem foi situação única, ainda em Setembro, numa altura já bastante complicada em que a Cidade tinha indices elevadíssimos de contagio, não se prescindiu de uma sessão de comemoração no aniversário da Câmara com pompa e circunstância e com a presença de dezenas de convidados e o habitual batalhão jornalístico para efeitos de propaganda.

É este o estado de coisas que vivemos actualmente. Os direitos mais elementares dos cidadãos são postos em causa, são suprimidos, são violados de forma grosseira, em nome do combate à Pandemia, enquanto que os nosso responsáveis e profissionais políticos continuam a poder fazer as suas manobras propagandísticas, sem qualquer restrição.

É moral ajuntamentos deste tipo, quando se impede o acompanhamento a uma cidadão por parte do seu advogado, em que no total estariam 3 pessoas naquele dito atendimento?

É normal e moral haver milhares de empresas, de vários ramos, como a hotelaria e a restauração, ou mesmo as livrarias e outros ramos do comércio, a terem de fechar de forma peremptória, estando hoje completamente arrasadas em termos de sustentabilidade, sem lhes ter sido dada a oportunidade de à sua maneira enfrentar esta crise sanitária, quando temos ajuntamentos destes em nome da propaganda e da boa imagem de quem nos Governa?

É moral haver centros de saúde, que são muitas vezes o único meio de acesso dos cidadãos a cuidados de saúde a recusar consultas e a obrigar que todas as comunicações sejam feitas pela via electrónica, em nome da proibição de ajuntamentos, quando quem deveria dar o exemplo não o faz?

E os funerais? Com famílias desfeitas por não poderem dizer um último adeus a quem parte, de modo a evitar aglomerados?

E os transportes públicos? Com dezenas de cidadãos aglomerados como sardinha enlatada, que segundo o nosso Governo não representa perigo de transmissão de Covid-19, mas ao invés vê-se grande perigo em uma cidadã se fazer acompanhar pelo seu advogado perante uma autoridade, num total de 3 pessoas?

E as Reuniões de Câmara, Assembleias Municipais e de Freguesia? Que passaram a ser on-line e por videoconferência, com a impossibilidade dos cidadãos nelas participarem de forma efectiva e directa? Admite-se que continuem a ser realizadas por esta via quando ao lado assistimos a ajuntamentos de dezenas de pessoas, com o único intuito de posar para a fotografia?

É um desabafo, de revolta por parte de alguém que lida directamente há vários anos com pessoas, ouve queixas, e assiste a situações limite por parte de cidadãos comuns e que não pode deixar passar esta situação em branco. Enquanto advogado que sou, e eleito à Assembleia de Freguesia da Venteira, tenho também pena de este ser o único meio, um blog que foi criado para de forma a que os eleitos do Partido Social Democrata possam prestar contas à população, a par da redes sociais, sejam os únicos meios disponíveis para o fazer. Pois enquanto autarca eleito, e enquanto membro representativo de uma classe profissional na Cidade da Amadora – a Ordem dos Advogados Portugueses, nem eu nem ninguém que me acompanha foi contactado por nenhum órgão de comunicação social para o que quer que fosse, o que é bem revelador da Cidade que temos e de que a visibilidade e o direito a poder dar a sua opinião: não é para todos.

Mas face a situações como esta, recordo sempre Sá Carneiro: “O que não posso, porque não tenho esse direito, é calar-me, seja sob que pretexto for.”



Daniel Marques Rodrigues

Secretário-Geral da Comissão Politica do Partido Social Democrata da Amadora

Líder da bancada do PPD/PSD na Assembleia de Freguesia da Venteira



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