Tempos estranhos os que vivemos desde Março. Vidas suspensas, espectativas goradas, relações e hábitos reinventados numa normalidade que veio para ficar e à qual todos, a nível pessoal estamos a dar uma grande prova de responsabilidade face à dificuldade dos tempos vividos, sem este sentido do dever por parte dos portugueses, todo o cenário vivido teria sido, francamente pior.
Mas mais do que um vírus que parece que veio para ficar e que já causou danos irreparáveis nas nossas vidas, urge olhar com atenção para a capacidade de resposta dos portugueses, que é exemplar na minha óptica e acima de tudo, à resposta do Estado que numa altura de crise, impar em décadas, senão mesmo na vida de todos nós, deveria estar na linha da frente no combate às dificuldades trazidas até nós com o vírus COVID-19, e no atenuar das dificuldades vividas pelos portugueses, o que infelizmente não tem vindo a acontecer da forma que seria desejável.
Mais do que a propaganda habitual do Governo, que nos entra pelas nossas casas adentro, após o esbanjar de milhões de euros para as televisões e restante imprensa, todos temos nas nossas vidas exemplos flagrantes da inoperância do Estado, da sua ineficiência e mais grave, da forma como se esconde dos cidadãos, como se não fosse a razão de ser do Estado o serviço aos cidadãos em primeira linha, mais ainda numa situação de crise, mas antes um fim em si mesmo, que à primeira dificuldade se esconde, se omite, se nega e torna a vida de cada um de nós ainda mais difícil do que já o é, em tempos de Pandemia.
Falo no exemplo da dificuldade que é aceder a um Certificado de Registo Criminal, essencial para a procura de muitos empregos, em não há atendimento sem e-mail remetido a solicitar marcação perante o Tribunal, marcação essa que é agendada muitas das vezes já sem que o acesso ao Documento seja útil, uma vez que a vaga de emprego já não está disponível.
Falo na dificuldade em conseguir apresentar uma queixa-crime perante as autoridades, numa Esquadra de Policia, que entre o sistema que se encontra “em baixo” e mais uma vez a necessidade de agendamento por e-mail para o efeito, torna tudo praticamente impossível… sem que ninguém perceba que entre o facto ilícito ocorrido e a participação do mesmo às autoridades pode comprometer de forma irreversível a sua investigação e boa resolução.
Falo no terror dos lares, onde aqui em especial ficou patente o desnorte e desleixo por parte do Estado em que numa teia burocrática e confusa, deixou à sua sorte dezenas de portugueses mais velhos, que acabaram por perder a vida, em circunstâncias cuja gravidade ainda se encontram por apurar.
E na nossa cidade, na Amadora o cenário acaba por não ser em nada diferente do panorama Nacional em que a resposta do Estado se foi retraindo, como se o próprio serviço público se defendesse dos cidadãos em lugar de ir ao seu encontro para os proteger.
Aqui, é inevitável falar do estado que foi atingindo o acesso aos mais elementares cuidados de saúde. Sendo a Amadora uma cidade com mais de 150 mil habitantes, com alta densidade populacional e com graves problemas sociais, de onde não podemos fugir ao facto de estarmos perante uma população já maioritariamente envelhecida em muitas zonas do nosso Concelho, à dificuldade que há em conseguir um atendimento no seu médico de família (para quem tem a sorte de o ter), com pessoas a ter de esperar em fila, muitas das vezes desde madrugada à porta do Centro de Saúde, para que lhe possa ser dada uma senha e a hipótese de poder ser vista por um médico, se a gravidade da situação o justificar… Isto é inadmissível nos dias de hoje, sabendo ainda que por vezes de forma inglória, a Amadora, subúrbio de Lisboa, representa o pior de dois mundos, onde falham as linhas de resposta informal e as relações de vizinhança mais presente em meios mais pequenos e por outro a burocracia do Estado enleia por vezes de tal modo as pessoas, que não têm outra alternativa que não seja desistir.
Que sentido terá pedir a um idoso de 80 anos que requisite a sua medicação enviando um e-mail para o Centro de Saúde, sendo uma pessoa que nunca lidou com um computador?
Que sentido terá pedir a esse mesmo idoso que telefone para o Centro de Saúde, para que lhe seja satisfeita a sua solicitação, quando após intermináveis e infrutíferas tentativas, se chega à conclusão que não existe ninguém para atender o telefone?
E a pergunta óbvia que ninguém ainda quis fazer: se o objectivo é evitar ajuntamentos às portas dos Centros de Saúde, porque razão não estão os médicos desses mesmos Centros de Saúde a dar consultas ao domicílio, a quem delas precise?
É todo um sem número de exemplos e situações reais em que todos, ou já tivemos de passar por elas, ou temos alguém do nosso círculo pessoal que as viveu, que nos indigna e nos faz questionar da utilidade dos impostos que a custo e com dificuldade pagamos.
E como se não bastasse, este encolher do Estado em matéria de saúde, já de si evidente à nossa volta, em especial na Amadora, surge a notícia de que mais uma vez o Serviço de Urgência de Ginecologia-Obstetrícia do Hospital Amadora-Sintra, que serve o nosso Concelho, será encerrado durante a noite, quando mais é preciso, e com a realidade de quem deveria dar uma justificação se esconda e não a dê, e quem deveria lutar por mais e melhores serviços para a população da Amadora, também se demita de o fazer.
Face a todo este panorama, pergunta acaba por ser inevitável: onde está o Estado quando mais precisamos dele?
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