Fotografia "roubada" ao perfil de Facebook do Pité da época em que o conheci, e como o recordo. |
Faleceu o meu amigo Pité, o professor Jorge Pité.
Cruzava-me com ele quase todos os dias, ele costumava estar numa esplanada onde eu passo regularmente quando "vou à Amadora", eu sou daqueles moradores da Reboleira há tanto tempo que se habituaram a dizer "vou à Amadora" e nunca se desabituaram, mas não me cheguei a aperceber que estava doente, nem que de facto não o encontrava ali há quase três meses. Mas estava, e faleceu.
Conhecia-o desde 1974.
Ao contrário de muitos estudantes da Amadora da minha geração e das seguintes nunca fui aluno do Pité. Não frequentei o Liceu Nacional da Amadora, agora Escola Secundária da Amadora, porque depois de ter frequentado o Externato Oliveira Martins até ao 2º ano do liceu, e porque só havia na Amadora uma extensão do Liceu de Oeiras, que os alunos conheciam por "o Texas", que acabava no 5º ano, agora 9º, se tivesse ido para lá teria que voltar a mudar de escola no 6º ano, pelo que fui para o Liceu Padre António Vieira, em Alvalade onde trabalhava o meu pai, e onde fiquei até completar o liceu em 1974.
Mas o meu irmão veio para o Liceu da Amadora que tinha acabado de abrir quando acabou o 5º ano, e tinha vários amigos que também o frequentavam, e foi nessa altura que conheci o Pité, o professor de Ginástica, era assim que se designava a Educação Física, que com apenas 22 anos era pouco mais velho que eles, tão pouco que parecia um deles, e era visto por eles como um deles.
Vou até contar uma história que a família não conhece, e ele próprio nunca soube. O Pité aos 22 anos era o que se pode chamar, qualquer que seja o critério, e como atesta a imagem que ilustra estas linhas, um rapaz bonito. Que fazia bater mais depressa o coração de muitas meninas. Um dia, já não me recordo da data mas creio que ainda em 1974, passou na RTP um recital de um coral de que ele fazia parte a apresentar canções moçambicanas. Uma das minhas amigas da altura era uma das meninas a quem o coração batia mais depressa por ele, sem ele saber, e quis voltar a ver o recital. Na época não havia boxes de televisão com gravação nem recuo de programas, não havia gravadores de vídeo, não havia canais de memória, só havia mesmo o primeiro e o segundo canais, e a única possibilidade de rever o recital seria a retransmissão do programa. E ela, voluntariosa como era, conseguiu convencer dezenas de amigos a escreverem postais para a RTP a pedir a repetição da transmissão, por não terem tido a oportunidade de ver o recital, pelo valor artístico e etnográfico que tinha, enfim, pelos pretextos que conseguissem inventar para convencer a RTP a repetir a transmissão. E a RTP repetiu!
Depois desses anos em que foi professor de Ginástica o Pité prosseguiu os estudos e passou a dar aulas nas áreas de humanísticas, nomeadamente Direito, Economia e Sociologia, e foi principalmente nesta área disciplinar que ensinou durante décadas gerações de alunos da Escola Secundária da Amadora.
Ensinou e marcou, pela simplicidade, pela disponibilidade, pela atenção, pela proximidade que sempre manteve com os alunos, mas também pelo exemplo superior de ética e pedagogia.
Nunca tive a experiência de ser aluno dele mas as redes sociais encheram-se de comentários comoventes dos seus alunos ao longo de décadas, e entre eles sensibilizou-me especialmente um de um ex-aluno que recordou que o Pité não era particularmente vigilante durante os testes, chegando a sair da sala, e quando lhe perguntou se não tinha receio que os alunos aproveitassem para copiar, respondeu "- Se copiarem não é a mim que enganam, é a vocês mesmos", pelo exemplo tão simples e ao mesmo tempo tão completo da pedagogia para a ética democrática, a conciliação da Liberdade com a Responsabilidade. Que grande pedagogo deve ter sido o meu amigo Pité!
Também me marcou um pequeno episódio ocorrido durante o velória na Igreja Matriz da Amadora. Quando esperava numa fila de amigos para apresentar os pêsames à viúva Fernanda Pité começou-se a ouvir na sala música moçambicana alegre, e comentei com outra pessoa da fila que se calhar alguém se tinha enganado, tendo-me ela respondido que não, que ter aquela música a tocar no velório tinha sido um desejo expresso dele.
É portanto com saudade e admiração pela pessoa e pelo pedagogo que marcou todos os que privaram com ele, mas também com alegria por ter passado pelas nossas vidas, que o devemos recordar.
A Assembleia de Freguesia da Venteira prestou-lhe na reunião de ontem a noite uma homenagem sentida e comovente a título de voto de pesar pelo falecimento e recomendação da sua integração na toponímia da Amadora, a sua terra de eleição depois da terra natal Moçambique, subscrito conjuntamente por todas as formações partidárias e aprovado por unanimidade. Estiveram presentes os familiares mais chegados e amigos e colegas, nomeadamente na sua actividade de teatro amador, outra das suas paixões para além do ensino, e a sede da Junta de Freguesia da Venteira onde decorrem as reuniões foi pequena para acolher as dezenas de visitantes que se juntaram à homenagem. Eu corro o risco de errar, porque sou autarca há apenas ano e meio, mas nunca houve, pelo menos desde que o sou, uma reunião da Assembleia de Freguesia da Venteira com tanto público a assistir.
As nossas vidas seguem, e ele também, na memória dos que tocou ao longo da vida, e foram muitos e de várias gerações.
Até sempre, Pité!
Manuel Vilarinho Pires
(Membro da bancada do PPD/PSD na Assembleia de Freguesia da Venteira)
Obrigada pelo texto e descrição da homenagem. As memórias, muitas, essas guardarei comigo para sempre, como uma das tantas alunas que teve. ❤️
ResponderEliminarFoi meu professor de sociologia e de direito, e, no último ano que estive no liceu, aceitou o desafio de lecionar economia. A sua vida no liceu da Amadora foi feita de desafios, a que nunca se negou! Uma homenagem muito merecida , sem dúvida.
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